*Por Débora Camila, jornalista cega*
É inegável que a inclusão de pessoas com deficiência (PCDs) no mercado de trabalho é uma pauta que, nos últimos anos, tem sido cada vez mais discutida. No entanto, a realidade para quem vivencia a deficiência é bem diferente da visão idealizada que muitas empresas e políticas públicas tentam construir. As vagas destinadas a PCDs, em sua grande maioria, permanecem abertas, não por falta de candidatos, mas pela falta de uma preparação real do ambiente de trabalho e das pessoas envolvidas. A questão não está mais em nossa capacidade de nos inserirmos ou em nossa vontade de trabalhar, mas em como os outros se prepararam (ou não) para nos receber.
O que me incomoda profundamente enquanto pessoa com deficiência e, principalmente, como profissional, é a necessidade de responder, incessantemente, as mesmas perguntas. "Você tem alguma limitação?", "Como podemos te ajudar?", "Qual é a sua deficiência mesmo?". Em pleno século XXI, quando a formação e a informação estão escancaradas para todos, ainda somos obrigados a explicar o óbvio para quem, teoricamente, deveria já saber.
Não somos responsáveis pela falta de formação dos outros.
Vivemos em um tempo onde a capacitação está ao alcance de todos, seja por meio de cursos, workshops, palestras, ou, ainda, pelas inúmeras campanhas de conscientização que aparecem a cada ano. E, mesmo assim, as empresas, os gestores e, em muitos casos, os colegas de trabalho, seguem sem preparo algum para lidar com as especificidades de cada pessoa com deficiência. Quando alguém me pergunta sobre como lidar com minha cegueira, ou me pede para explicar como pode me ajudar a realizar uma tarefa que, para mim, já é perfeitamente executável, me pergunto: “Por que tenho que ser eu a ensinar?” Não é nossa responsabilidade fazer com que os outros saibam o que deve ser feito. Já sabemos o suficiente sobre nós mesmos, sobre os nossos direitos, e queremos que o mundo se capacite para nos atender da maneira que a lei exige.
A capacitação deve ser mútua.
A inclusão no mercado de trabalho precisa ser mais do que uma simples contratação de uma pessoa com deficiência para preencher uma cota. É preciso que haja uma mudança na dinâmica interna das empresas, um olhar mais profundo sobre como realmente fazer a integração de forma eficaz e sem exclusões disfarçadas de inclusão. Se para nós, pessoas com deficiência, a capacitação é cobrada a todo momento, por que não cobrar a mesma coisa daqueles que irão trabalhar conosco? Por que a responsabilidade de ensinar e se adaptar está sempre nas nossas mãos?
Pessoas com deficiência, principalmente as que lidam com limitações mais severas, enfrentam desafios enormes no mercado de trabalho. Somos obrigados a passar anos em bancos universitários, enfrentando preconceitos e dificuldades para conseguir vagas em cursos, enquanto tentamos driblar a exclusão de um sistema educacional que ainda não é preparado para as nossas necessidades. E, quando finalmente conseguimos uma oportunidade de trabalho, ainda temos que nos submeter a um ambiente que, muitas vezes, é excludente por falta de adaptação. Não podemos continuar sendo culpados por não conseguirmos preencher essas vagas. O que falta não somos nós, mas os outros.
A inclusão vai além da contratação.
A dinâmica de trabalho, o cumprimento de horário, a interação com os colegas e a adaptação de processos internos ainda são barreiras enormes. O mercado de trabalho, muitas vezes, tenta nos encaixar em uma moldura que não leva em consideração nossas necessidades fisiológicas e o tempo que precisamos para cumprir determinadas atividades. E é aí que a inclusão falha: as empresas contratam, mas não sabem como lidar com as diferenças. Uma vaga PCD não pode ser apenas um número para preencher uma cota. É preciso um comprometimento genuíno com a integração e o respeito às limitações e capacidades de cada um.
Não é só o salário que deve ser analisado. A forma como o trabalho é organizado e como as relações de poder, hierarquia e socialização se constroem no ambiente de trabalho é o que determina, de fato, se estamos ou não sendo incluídos de maneira plena. Para nós, o simples fato de termos uma vaga não resolve as questões estruturais de uma sociedade que ainda é, em muitos aspectos, excludente.
É hora de exigir mudanças.
Nós, pessoas com deficiência, não queremos mais ser vistas como objetos de caridade ou como alguém para quem uma vaga deve ser preenchida apenas para cumprir exigências legais. Exigimos respeito aos nossos direitos e à nossa capacitação. Queremos ser tratados de maneira justa, com dignidade e com a compreensão de que, se somos capazes de ocupar um cargo, é porque também passamos por um processo de formação que nos preparou para isso. E, se a inclusão for de fato uma prioridade, é hora de as empresas e a sociedade se capacitarem para nos receber da maneira correta.
Não precisamos mais ter paciência. Já esperarmos demais. A mudança não depende de nós, mas dos outros. O movimento deve ser de todos, e precisa ser urgente. Políticas públicas e ações efetivas devem estar alinhadas a uma capacitação que não seja só para nós, mas para todos que, de alguma forma, irão nos acompanhar no ambiente de trabalho. Afinal, a inclusão é um processo contínuo, e a responsabilidade de sua efetividade não é nossa.
*Débora Camila de Oliveira é especialista em comunicação acessível e palestrante.