ARTIGO - O que o olhar sobre a cobertura das mídias locais pode nos informar sobre a crise hídrica de Tangará da Serra

* Lawrenberg Advincula da Silva *Apontada como a principal causa da crise hídrica de Tangará da Serra, a estiagem, a seca, de acordo com os dados publicados pelo GeoClimaMT / Unemat, atingiu em 2019 o pior resultado nos últimos 16 anos. Nesse ano o índice atingiu 1230 mm, enquanto a média de chuva na região é de 1400 a 1800 mm. Um número preocupante se considerado que em 2016, ano da última grande crise hídrica na cidade, o índice indicava média de de chuva de 1589 mm. 

Entretanto, quando se fala em crise hídrica numa cidade de mais de 100 mil habitantes como Tangará da Serra é necessário interpretar a situação para além dos gráficos estatísticos. Isto é:como uma combinação de fatores onde se deve pesar a escassez de chuva e água nos reservatórios com o modo, por exemplo, como a governança e toda população vão reagir a esse problema. Neste sentido, fiz um breve resumo em linha cronológica a partir do filtro das principais notícias publicadas pela imprensa local sobre o assunto desde 2016, quando tivemos a ultima crise hídrica em Tangará da Serra. Trata-se do que é chamado nas redações jornalísticas de dossiê. Vamos lá... 

2016: Crise Hídrica em Tangará de Serra, logo após à reeleição do prefeito atual. Segundo os sites jornalísticos locais (Tangará em Foco, Diário da Serra), mais da metade da população sofreu com a falta de água. 

De acordo com depoimento de dois moradores do Jardim Tarumã, naquela ocasião os bairros recebiam água num sistema de rodízio, de forma alternada, dia sim dia não. Além do desespero da população pela busca de outras formas de abastecimento, alguns serviços foram temporariamente suspensos na cidade. 

Também em 2016 foi notícia na página institucional da Prefeitura a perfuração de diversos poços artesianos, com destaque em uma realizada em parceria com a Secretaria Estadual de Infraestrutura (Sinfra-MT). No título do texto consta que o poço artesiano tem vazão de 72 mil litros de água por hora. 
Fonte para consulta: https://tangaradaserra.mt.gov.br

2019: No ano passado, mais precisamente no mês de setembro, o diretor do Serviço Autônomo Municipal de Água e Esgoto (Samae), Wesley Torres, anunciou racionamento de água. Novamente houve o rodízio nas casas tangaraenses, a fim de evitar o caos de 2016. 
A situação foi noticiada pelos principais sites, rádios e TVs. 

2020: No início desse ano, em janeiro, um importante relatório pluviométrico de Tangará e região foi publicado no jornal Diário da Serra. Trata-se do resultado de uma pesquisa realizada pelo professor e engenheiro agrônomo Rivanildo Dallacort, do grupo de pesquisa GeoclimaMT, do curso de Agronomia da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), câmpus Tangara da Serra. Na pesquisa, aponta-se que no mês de janeiro de 2020 houve uma redução de 54% da média registrada de volume de chuva dos últimos 16 anos na região. 
Um alerta! 

No final de abril desse ano, a página institucional da Câmara Municipal e diversos sites jornalísticos noticiaram a manifestação do vereador Fábio Brito (PSDB) pela perfuração de poços artesianos públicos em pontos estratégicos da cidade. A manifestação foi dirigida ao diretor do Samae. 

No mês de maio, as notícias mais enfatizadas pela imprensa local foram a da autorização da Câmara Municipal de R$ 41 milhões para a captação de água do rio Sepotuba e a realização de licitação do Samae para a aquisição de tubos e materiais hidráulicos para a execução do projeto de captação. 

Essas notícias tiveram grande repercussão e geraram muita expectativa na população. Mas no fim não passou de mais uma frustração. Em reportagem, o site Tangará em Foco mostrou que a obra onde ocorrerá o tratamento de água só ficaria pronta em três a quatro anos. A obra exigiria uma adutora de 14 quilômetros, que percorreria um trajeto de 125 metros do rio Sepotuba até a Estação se Tratamento de Água Queima-pé. 
Fonte para consulta: www.tangaraemfoco.com.br

Em julho, sites e televisão noticiaram o relato de moradores de diversos bairros sobre a falta d’água em Tangará da Serra. Entre os bairros, a situação mais crítica era do Jardim Itália. 
Acompanhe o depoimento de uma das moradoras do bairro Jardim Itália, em reportagem do site Tangará em Foco.
“Estamos tomando banho de canequinha, esse povo ruim de serviço”, destaca a moradora. 

CRISE ATUAL
19 de novembro: os principais sites publicam uma nota de esclarecimento da Prefeitura de Tangará da Serra onde informa que a cidade está sendo abastecida por setores e em dias alternados, com um rodízio de distribuição de água que varia conforme a setorização estabelecida pelo Serviço Autônomo Municipal de Água e Esgoto (Samae). 

24 de novembro: Em novo comunicado oficial da Prefeitura, decreta-se situação de emergência durante 60 dias no município por causa da seca. A partir dessa medida, a prefeitura vai poder realizar compras sem o uso de licitação. 

29 de novembro: Em reportagem do Diário da Serra (29/11/2020), são anunciados a presença de 12 caminhões-pipa para o abastecimento dos bairros em Tangará. Uma quantidade insuficiente. Também no texto inclusive é demonstrado que uma das saídas ao problema tem sido a solidariedade da população. Pelo menos é o que se pode constar no depoimento do servidor do Samae, Hugo Leonardo Moreno. 
“Se tem uma camionete, um stradinha, tenho um carro que dá para colocar um tambor de 200 litros, levar aqui para a senhora, levar aqui para o senhor, vamos fazer, porque com o caminhão-pipa não vamos conseguir abastecer a cidade toda”, comenta o servidor.

O que vai ser pauta jornalística nos dias posteriores diz mais respeito ao desespero da população pelo abastecimento, do que medidas adotadas pelos poderes municipal e estadual. Houve e há uma corrida por galões e tambores para esse abastecimento nos pontos estratégicos definidos pela Prefeitura, mas há também muitas pessoas comercializando o abastecimento de água no valor de R$ 50,00. 

Essa situação caótica tem sido retratada com muita dramaticidade. Também não podia ser diferente. Em boa parte das notícias dos sites, o lead enfatiza como o abastecimento solidário ou não tem sido feito. 


Por outro lado, deve-se registrar a repercussão dessa situação nas mídias sociais. Nelas, o tema tem sido tratado mais com humor. E quando se refere ao humor vale destacar os diversos memes compartilhados, desde a página do Instagram/Facebook do TangaraZuei (principal página de humor da cidade), Tangará Mil grau, aos inúmeros grupos de WhatsApp. Meme com figuras públicas se autoconvidando para usar o banheiro dos munícipes ou de carro com tambores cheios de água tombando. Assim provando o jeito espirituoso do brasileiro lidar com a crise. 

Por fim, hoje, 2 de dezembro, numa última atualização, as notícias são do Vereador Sebastian Ramos pedir isenção na cobrança de água durante crise de abastecimento em Tangará. Um alento em meio a tanto caos. 

Como foi apontado lá no início do texto, além da seca, a crise hídrica abrange muitos fatores. E, talvez, para melhor compreendê-la, sempre seja válido um exercício de memória. Não só para encontrar a raiz ou as raizes do problema (ovo da serpente), mas para encontrar caminhos e métodos possíveis para amenizar o problema. No caso, como todos viram, usei o “dossiê jornalístico” como forma de dizer que a resolução do problema passa também pelo modo como lidamos com a informação, seja de forma preventiva à crise hídrica, seja de forma urgente para sobreviver diante do caótico, a escassez (e ausência) de água e seus efeitos sociais e psicológicos na vida de todo mundo.

* Lawrenberg Advincula da Silva é Professor do Curso de Jornalismo da UNEMAT e Membro do Núcleo de Tangará do Sindicato dos Jornalistas de MT - Sindjor-MT.