ARTIGO - Liberdades x responsabilidades: um dilema necessário em tempos de pandemia


Lawrenberg Advincula da Silva - 

Mais um boletim epidemiológico da Secretaria de Saúde de Tangará foi lançado neste domingo (31.05), 65 casos de transmissão local e 31 de comunitária. A sensação de angústia só aumenta: ora olhando para a circulação de pessoas nos parques e bosques locais, ora comparando os gráficos locais com de outros locais onde constam casos de óbitos de Covid. Analisando mais friamente os numeros de Tangará, creio que não seria absurdo uma estimativa de 1000 a 2000 casos de coronavírus daqui a um mês. 

Que exista esforços de seguir as medidas preventivas de diversos atores locais, entre entre eles, a prefeitura, os profissionais de saúde, alguns comerciantes, não podemos negar. Contudo, a cada dia e boletim, tal esforço tem se tornado cada vez menos relevante ante a grande barreira a ser superada: a cultural, sobretudo, no âmbito doméstico de cada cidadão tangaraense, cuja pandemia parece não ter alterado a sua rotina particular. 



Em se tratando da população tangaraense, em uma parcela significativa de mais de 100 mil indivíduos, acredito que até haja um esforço de cumprimento das medidas de isolamento nos lares, na medida que muitas pessoas, dentro de suas possibilidades socioeconômicas e psicológicas, tem conseguido se manter confinadas. Assim, numa demonstração clara de consciência da gravidade do momento vivido e de empatia aos grupos de risco e às vítimas da Covid no Brasil. 

Por outro lado, quando parte das medidas de confinamento confrontam o que parece ser um hábito sagrado para muitos tangaraenses, leia-se roda de pessoas, temos uma adesão às campanhas preventivas de modo dúbio, quando a furada de quarentena não é integral. Mas vamos nos ater à dubiedade. 

Quem já não viu pessoas que apesar de seguir todas as orientações, desde o uso de máscaras e a higiene constante com álcool em gel, um domingo ou outro não deixa de organizar um churrasco para mais de 5 pessoas. Longe de ser fiscal da pandemia, a questão aqui é mais para refletir e analisar como aquele famoso “jeitinho brasileiro” de driblar determinadas regras acaba sendo na pandemia da Covid um verdadeiro algoz. 

Nesta perspectiva, chego a conclusão que a comoção coletiva / popular pelo momento que vivemos tenha se tornado mais protocolar do que um sentimento social e humano de (auto)preservação. Sinal de tempos de tantas relações líquidas e experiências efêmeras? Talvez. Mas também acredito ser revelador de uma transição do humano para um tipo de sociedade que, mesmo diante da tragédia, não abre mão de seus prazeres individuais, narcisistas, ocultos. 

Além de mortes, infectados e traumas irreversíveis, a pandemia vem confrontando a vida contemporânea num dos pontos mais fundamentais de sua liturgia: o sentido de emancipação hedonista. Mas aí você pergunta: afinal o que é isso? Refiro-me ao sentimento de liberdade sem fronteiras, sem deveres. 

Que a liberdade é inegociável, isso é fato, seja numa democracia plena, seja nos regimes que um dia pretendem alçá-la. Contudo, ela demanda muitas responsabilidades, sobretudo, aquelas para com um coletivo(...) O que realmente tem faltado, não só em Tangará, mas em diversos lugares onde a pandemia tem produzido tristes estatísticas. 

Diria que a pandemia criou uma nova fachada social, isso, para além das máscaras. Uma atitude demagoga, déspota, a partir da busca de validação moral em relação ao cumprimento das medidas preventivas da casa para fora e a quebra delas no âmbito doméstico. Como se o vírus fosse seletivo em relação a lugares e grupos de pessoas. Trata-se de uma ilusão de imunidade perigosa, para não dizer ingênua. E exemplos não faltam. Desde o jovem que reúne o seu grupo de amigos para uma roda de tereré àquele casal que decidiu manter o aniversário do seu primogênito na residência rural, numa festa para mais de 15 pessoas. 

Novamente é válido reforçar: cada um faz o que cabe seu livre-arbítrio. Não será eu e ninguém que vai dizer o que é certo ou não. Entretanto, precisamos entender que o mundo mudou depois da chegada da pandemia, o que exige novos deveres e responsabilidades de nós para com os outros. A mudança de atitude não deve ser só moral, mas ética, diante da nova realidade que a pandemia de Covid-19 desenha.

Lawrenberg Advincula da Silva
Professor do Curso de Jornalismo / Unemat 
Membro da Diretoria do Sindicato de Jornalistas de Mato Grosso - Sindjor-MT/ Coordenação Tangará da Serra