Crônica - O negro comercial: Uma reflexão urbana

Hoje eu tive uma prova de racismo bem no pé do nariz. Mas não foi assim, sabe, desse racismo convencional (esse, eu acho que se encolhe ainda mais de vergonha). Foi um racismo mais sutil, mais comercial.

Meu cabelo esvoaçado e meu biótipo magrelo chamou a atenção de uns olhos aí empreendedores. Fui lambuzado de elogios e chamado pra desfilar num projeto embrião aqui mesmo da minha cidade. "Gostei dele", me disseram, "do cabelo dele. Imagina ele com esse cabelão solto de blazer, que tudo que não ia ser!" E o empreendedor me perguntou também se eu não conhecia nenhuma menina assim, que nem eu. "Mas tem que ser negra, sabe?" Porque era pro desfile ficar tchan. Só que não queria (fez questão de dizer, e mais de vez) uma menina assim com bundão e pernão, não. Tinha que ser magra. Um cabide inexpressivo. Exótico. Como manda a cartilha da moda estrangeira, essa moda-mor que é a única que parece vingar.

O racismo do empreendedor não foi por pedir uma negra alta e anoréxica para o seu desfile: foi por recusar a diversa anatomia que ele deveria querer representar na passarela. Bundão e pernão faz parte do contexto físico da gente daqui: a nossa mulher, e mulher negra, sobretudo, não é como as que se faz lá em Paris.

Eu até fiz que tentava lembrar de alguma amiga assim, que se encaixasse no estereótipo requerido, mas no fundo eu estava mesmo é pensando no quão o negro, a sua história de submissão, de sofrimentos e de resistência vêm tendo pervertida a memória, a consciência que devíamos cultivar de fato. Ser negro tá ficando tech, pop, tudo. Quem antes renegava a aparência, hoje está em transição. Ser negro parece ter virado a onda do momento, o high point, um mero movimento. Só que movimentos se ultrapassam. Será que ser negro vai voltar, um dia, a ser ultraje, abjeta estética?

Quero mesmo que não seja assim.

Aliás, o empreendedor que queria uma mulher negra de carnes exíguas para o seu desfile, na verdade, era também uma mulher. E nem preciso dizer qual a cor do seu cabelo, suponho...

Julian de Sousa, acadêmico do 2° semestre de jornalismo / UNEMAT